Feeds:
Artigos
Comentários

Archive for the ‘Artigo’ Category

O projecto que pretendo desenvolver nesta disciplina prende-se com o ensino multisensorial. Esta temática havia já sido abordada pelas colegas Bruna Marques, Susana Lima, Adriana Pinho, Marília Fernandes e por mim num trabalho   acerca da perturbação sinestésica desenvolvido no primeiro semestre .

Alguns dos excertos desse trabalho podem ajudar a clarificar o significado de percepção multisensorial, a sua fundamentação científica e os seus benefícios no processo de ensino aprendizagem.

Interconexão das áreas corticais

Fonte: Ramachandran, V. S., & Hubbard, E. M. (2002). Hearing Colors, Tasting Shapes. Scientif American, 52 - 59.

Nos adultos, cada área cortical é especializada no processamento de informação proveniente especificamente de uma modalidade sensorial (ou seja, os neurónios no córtex visual respondem a estímulos dos olhos; neurónios do córtex auditivo respondem a estímulos dos ouvidos). Existem porém evidências experimentais de que, num grande número de espécies, incluindo a humana, as áreas corticais sensoriais não são, à nascença, tão especializadas como na idade adulta. Tanto nos recém-nascidos como nos adultos, a estimulação táctil do pulso activa o córtex somatossensorial. No entanto, ao contrário do que acontece nos adultos, é possível aumentar a resposta no córtex somatosenssorial dos recém-nascidos se a estimulação táctil for acompanhada de ruído branco – estímulo auditivo. Adicionalmente, constatou-se que nas crianças pequenas, a linguagem falada origina actividade no córtex auditivo, tal como nos adultos, mas, ao contrário destes, origina um mesmo grau de actividade também no córtex visual. [1]

Apesar de tudo, esta especificidade é passível de transformação. Experiências em adultos, sujeitos em laboratório a um período de privação visual, demonstram a intervenção conjunta dos córtexes somatassensorial e do córtex visual em tarefas de descriminação táctil. Do mesmo modo, na presença de estímulos auditivos, eram activados tanto os córtex auditivo como o córtex visual. Perante estes dados, supõe-se que o córtex visual do adulto típico favoreça a recepção de estímulos visuais devido ao facto de estes serem mais fortes, mais rápidos e/ou mais coerentes e/ou porque as respostas neurais a estímulos diferentes são geralmente inibidos por segregação química. Em concordância com esta ideia está o facto de químicos passíveis de modular o nível de inibição, como o álcool e a cafeína) afectarem a intensidade da percepção sinestésica.

A evidência de alterações reversíveis a curto prazo de padrões de activação cortical sugerem que as conexões entre áreas primárias corticais persistem até á idade adulta e são normalmente inibidas, podendo no entanto ser desinibidas em casos de privação sensória, consumo de halucinógeneos ou no caso da sinestesia. O desenvolvimento humano implicará, portanto, uma proliferação de conexões entre áreas sensórias corticais seguida de especialização de cada córtex sensório num determinado estímulo sensorial. Esta especialização progressiva resultará da experiência com o meio e de um lento desenvolvimento do mecanismo inibitório. Crê-se que para as crianças deverá ser difícil distinguir o ambiente multimodal segundo eventos unimodais separados – uma limitação adaptativa decorrente da correlação intermodal de eventos unimodais. [1] A compreensão de correspondências amodais no recém-nascido será, portanto, mediada por conexões entre sistemas sensórios que, em caso de reforço por feedback ambiental, não serão inibidas e permanecerão ao longo da vida. No entanto, podem persistir conexões extra ‘erradas’ na idade adulta sob a forma de percepções conscientes nos sinestésicos e de influências na percepção nos adultos típicos.

 Sentidos interligados

Quando um flash único é apresentado em simultâneo com múltiplos sons, os adultos interpretam o flash único como múltiplos flashes. Da mesma forma, quando um flash único é apresentado durante estimulação táctil sob a forma de dois toques, os adultos relatam a observação de dois flashes. Estes resultados revelam que informação sensória aparentemente arbitrária numa modalidade pode influenciar a percepção de um estímulo noutra modalidade. Neste caso, os estímulos apresentados às diferentes modalidades sensoriais não apresentavam coerência (um flash; dois toques), o que resultou num ‘prejuízo’ da percepção. No entanto, estudos sugerem que a apresentação de estímulos a diferentes modalidades, podem, quando coerentes, reforçar-se mutuamente, efectivando a aprendizagem.

Percepção multisensorial

A nossa experiência no mundo envolve constante estimulação multissensória. Por exemplo, informação visual e auditiva é integrada na realização de muitas tarefas que envolvem a localização de objectos em movimento. Os nossos mecanismos perceptual e cognitivo evoluíram no sentido de processar sinais multisensórios. A codificação, armazenamento e restauração de informação perceptual estão preparadas para operar num ambiente multisensório, e um processamento unissensório é normalmente subprodutivo uma vez que corresponde a um modo de processamento artificial, que não utiliza todo o potencial dos mecanismos perceptuais [2]. É este o ambiente contemplado nos protocolos tradicionais de ensino, que são tendencialmente unissensoriais e não fazem uso dos mecanismos multissensoriais de aprendizagem. Os protocolos multissensoriais, pela sua semelhança aos ambientes naturais poderão produzir aprendizagens mais eficientes. Esta eficiência pressupõe, no entanto, a preexistência de congruências entre as informações provenientes dos diferentes sentidos.

Se um indivíduo pretende aprender a discriminar visualmente várias espécies de pássaros a partir de fotografias, ser-lhe-á mais fácil atingir esse objectivo se a visualização de cada imagem for acompanhada do canto correspondente, ainda que conhecer o canto de cada ave esteja fora do âmbito da tarefa. Estes dados contrariam a ideia tradicionalmente aceite pelos investigadores de percepção de que estímulos adicionais podem ser distractivos. [5] De facto, estudos demonstram que o processamento multi-modal proporciona a distribuição da carga cognitiva, permitindo uma mais fácil acomodação da informação na memória a curto-prazo e sua posterior utilização na construção de memória a longo-prazo. [1]

Aplicação ao ensino

À medida que um aluno se move fisicamente no mundo real, várias representações abstractas são criadas usando o SMALLab em tempo real: uma representação unidimensional de marcas de posição associadas a setas que indicam a direcção e magintude do movimento numa série de momentos durante a sequência de movimentos; graficamente, a mesma sequência de movimentos pode ser representada por um gráfico bidimensional da posição versus tempo; algebricamente, se a sequência de movimentos for constante pode ser representada com precisão uma equação da forma y = mx + b em que m é o declive e b é a ordenada na origem. Fonte:http://ijlm.net/knowinganddoing/10.1162/ijlm.2009.0017

Frequentemente as áreas científicas incorporam factores invisíveis e conceitos abstractos, e descrevem fenómenos para os quais os estudantes não têm referências reais, tornando-os difíceis de compreender. [4]

Com tecnologias de sonorização de dados, tabelas de números, por exemplo, podem ser representadas como som, revelando padrões nos dados numéricos através de mudanças de tom e volume. Desta forma, é criada uma sinfonia abstracta, mas significativa. [4] Também a gramática – que apresenta sistematizações à semelhança do que ocorre na matemática – pode ser ensinada através da música, por construção de uma ‘linha melódica’ das frases.

O uso destas tecnologias pode ainda promover uma maior rentabilização dos recursos cerebrais.

Estudos de neuroimagiologia demonstraram que as actividades envolvendo lógica, números, tarefas sequenciais e análise geral estão mais directamente relacionadas com o lado esquerdo do cérebro, enquanto actividades ligadas à música, à imaginação, a cores e à expressão criativa estão mais activas no hemisfério direito. Num cérebro normal os dois hemisférios operam em conjunto, pelo que os investigadores educacionais defendem que o envolvimento equilibrado de ambos os hemisférios durante a aula pode melhorar significativamente o processo de ensino-aprendizagem. [4]

Por outro lado, Gardner, nos seus trabalhos, afirma que cada pessoa tem uma mistura de diferentes maneiras de aprender, tendo identificado sete ‘inteligências’ – como a inteligência musical, a sinestésico-corporal e a lógico-matemática. Portanto, só através de um ensino diversificado se garante que todos os alunos têm iguais oportunidades de aprender com a sua inteligência mais significativa e se possibilita o desenvolvimento das outras inteligências não-dominantes.

Bibliografia

1 – Synesthesia: A new approach to understanding the development of perception, Ferrinne Spector, Daphne Maurer, Developmental Psychology, 2009, Vol. 45, No.1, 175-189. 

2- Benefits of multisensory learning, Landan Shams, Aaron R. Seitz, Elsevier, 2008.

3- Technologically and artistically enhanced multi-sensory computer-programming education, Zoitan Katai, Laszlo Toth, Teaching and teacher education, XXX, 2009, 1-8.

 4- On the role of senses in education, Zoltán Kátai, Katalin Juhász, Alpár Károly Adorjáni, Computers and education, 51, 2008, 1707-1717.

 5 – Mechanisms of synesthesia: cognitive and physiological constraints, Peter G. grossenbacher and Christopher T. Lovelace, Trends in cognitive sciences, Vol.5 No.1, 2001.

Read Full Post »